[Games em Foco] Videogames e religião

segunda-feira, 22 de julho de 2013 Postado por Tristan.ccm



O assunto é polêmico, mas creio que precisa ser discutido, e com a vinda do Papa Francisco para o Brasil acho que é um momento oportuno. Isso já foi abordado pelo P.A. num Games em Foco, mas acho que o tema merece uma abordagem mais profunda, visto que muitos religiosos se ofendem com coisas que aparecem em games.

Como sempre, tentarei ser imparcial, tanto que procurei opiniões dos dois lados dessa questão, lançando-a tanto no Alvanista (uma rede social voltada a gamers) quanto no Gospel 10 (fórum de discussão cristão). e, como vocês podem ver nos dois links, as opiniões foram as mais variadas.

Polêmicas entre religião e games

Casos como o jogador que se ofendeu com o batismo digital de Bioshock Infinite não são raros, e não se restringem só ao cristianismo: a Nintendo precisou modificar a música tema do Templo do fogo de Zelda Ocarina of Time depois que um jogador percebeu que o tema parecia conter uma oração muçulmana nele. Escutem bem:

Como provavelmente não temos leitores que entendem árabe, aí vai a explicação: o coro da música, traduzido, quer dizer: "Que Alah conceda a paz e honre o profeta Muhammad e sua família. Ele é o Senhor da Majestade e Generosidade. Deus é Grande, Clemente e Misericordioso" obrigado por essa, Google Tradutor!

A mudança não se restringiu à música, pois o Escudo de Espelho tinha um desenho que lembrava muito o Crescente, que está para a religião islâmica como a Cruz está para os cristãos. Na versão do jogo para Nintendo 3DS a grafia foi mudada para um desenho mais genérico. Tudo isso porque, para os muçulmanos, Deus não pode ser relacionado a algo mundano, games inclusive.

Bem, mas se você é daqueles que acha que o Islã é sinônimo de fanatismo, pense duas vezes, pois mesmo entre os cristãos (onde, aliás, isso é até mais comum) existem aqueles que pintam os games como a principal forma de afastar as crianças de Deus. Talvez isso se deva a uma interpretação um tanto "ao pé da letra" da Bíblia, onde coisas como a televisão (e, por tabela, tudo que a ela é relacionado, games inclusive) são pintadas como aliados de satanás.

Existem vários vídeos por aí de religiosos falando mal dos games. Vou me restringir a esse, onde o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o polêmico pastor Edir Macedo, afirma que jogos de videogame transformaram pastores em pessoas violentas:


O principal argumento dos "religiosos" (e as aspas aqui não são ironia, Jesus pregava o respeito, coisa que muito "homem de Deus" não faz) é de que jogos de videogame afastam o jogador de Deus e do que Ele ensina ser certo e errado. Fazendo isso, os gamers substituem o Deus verdadeiro por um deus de metal, plástico e luzes brilhantes, e isso caracteriza idolatria.

Então eu estou trocando Jesus pelo meu Xbox?

Não necessariamente. Segundo o bom e velho Aurélio, Idolatria é o ato de adorar um ídolo. Segundo os religiosos cristãos, é reverenciar e/ou ter fé em algo que não é Deus. Para alguns mais radicais, o fato de uma pessoa ficar meio que "vidrada" olhando para a TV, com ou sem o joystick na mão, é um ato de idolatria. E isso acarretaria uma punição severa, pois Deus condena a idolatria em várias passagens das Escrituras, como por exemplo em Ezequiel capítulo 14, versículos de 6 a 8:

"Diga, portanto, à casa de Israel: Assim diz o Senhor Javé: Convertam-se, abandonem seus ídolos, voltem as costas para todas as suas abominações. Eu mesmo, Javé, eu responderei a qualquer israelita ou imigrante que vive em Israel, que se distancia de Mim, que põe seus ídolos no próprio coração e coloca diante de si o obstáculo que o fará pecar e, em seguida, vai consultar o profeta. Vou enfrentar tal homem e fazer dele um exemplo proverbial. Vou cortá-lo do meio do meu povo. E vocês ficarão sabendo que eu sou Javé."

Ou seja: louve a Deus, ou o inferno te espera, simples assim, certo? Nem tanto! O que muitos se esquecem ao ler a Bíblia é que se trata de um livro escrito e reescrito há cerca de 2500 anos (os cinco primeiros livros da Bíblia, que formam o famoso Pentateuco dos judeus, datam do século VI a.C.). Levar ao pé da letra um texto tão antigo, escrito numa realidade diametralmente oposta à de hoje, é no mínimo um erro.

Quer um exemplo? Um famoso trecho do evangelho de Mateus, onde Jesus diz que "é mais fácil um camelo passar no furo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus", tem, no mínimo, TRÊS interpretações diferentes:

1- Naquela época, era comum usar nos portos uma corda bem grossa para amarrar barcos no atracadouro. Essa corda era conhecida como "camelo", e jamais poderia passar no furo de uma reles agulha de costura!

2- Havia um pórtico na cidade que era baixo e estreito, onde um adulto passava com muita dificuldade. Por esse motivo, apelidaram o tal pórtico de "furo de agulha". Se ele mal dava pra uma pessoa passar, imagine um camelo!

3- Quando Jesus disse "rico", na verdade estava se referindo não aos ricos de verdade, mas aos que se empenhavam em ganhar dinheiro a qualquer custo, como os bandidos e os agiotas. Antes daquilo ele já havia dito que não se deve "ajuntar tesouros na Terra", mas no Céu.

Como se pode ver, a Bíblia tem várias interpretações. E muitos acabam interpretando o Texto Sagrado de uma forma um tanto quanto autoritária, como se Deus fosse um carrasco com uma foice nas mãos, pronto para destroçar a alma de quem se atrever a não fazer o que ele quer. Gente assim procura em detalhes de algum jogo coisas que vão contra a fé, e assim como fazem com as Escrituras eles deturpam o que veem nos jogos. Ao ver os demônios  e os pentagramas invertidos de Doom na tela um religioso mais fanático pode achar que o jogo está incitando o satanismo, quando na verdade os seres do inferno são um INIMIGO, exatamente como ele próprio apregoa!

Na verdade, dificilmente você acha um game que fale mal de Deus e elogie o demônio. Geralmente as citações religiosas são ou parte do enredo ou algo relacionado. Até mesmo quando um vilão faz uma citação religiosa isso quase nunca é ofensivo, como o Dracula faz no final de Simphony of the Night:

"Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida?"
Mateus 16:26

Se os jogos nunca contradizem a palavra de Deus, se limitando a citá-la ou a confirmá-la, como alguém pode dizer que um jogo de videogame pode retirá-lo do caminho do Senhor? Como Deus, fonte infinita de bondade e compaixão, pode castigar um de seus filhos por estar não se afastando, mas conhecendo a Palavra, mesmo que através de um jogo? Isso acaba caindo em contradição com a mensagem da própria Bíblia, que diz que Deus é o pai e criador de toda a humanidade, e ama a todos como um pai ama seus filhos. Respondam com sinceridade: pode um Pai querer mal a um filho?

"Será que alguém de vocês que é pai, se o filho lhe pede um peixe, em lugar do peixe lhe dá uma cobra? Ou ainda: se pede um ovo, será que vai lhe dar um escorpião? Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas aos filhos, quanto mais o Pai do Céu! Ele dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem." Lucas 11,11-13

Ou seja, Deus não vai jogar um meteoro na sua cabeça por qualquer coisa. Lógico, se você for um tremendo dum sangue-ruim que só sabe olhar pro próprio umbigo aguarde que o seu já está guardado, mas se você é um cara correto que não deixa de ir à missa ou ao culto pra jogar, sem problemas! Afinal, como o próprio Jesus disse, qual o pai que vai querer o mal a seu filho?

O que Deus condena é você se afastar Dele e de Seus ensinamentos. Ele não quer é que você seja alguém errado, que prejudica os outros para se dar bem. E ninguém faz isso jogando videogame. Na minha opinião, mais pecador é aquele que sai da igreja com a Bíblia embaixo do braço sem ter aprendido nada do que ouviu na missa/culto, fazendo fofoca e falando mal dos outros fiéis. E um game só vira pecado se você se esquecer de Deus para jogá-lo. Assim como em tudo na vida, basta saber separar um tempo pra Deus e outro para os games e tudo ficará bem. E se você não conseguir, ainda terá esta opção. Abraços a todos e fiquem com Deus.

Plataforma:


9 comments:

Unknown disse...

Muito bom o post, eu não entendo por que alguns religiosos (não apenas cristãos) acham que qualquer coisinha já é uma ofensa.

Tem um outro exemplo de um jogo que foi proibido por causa da religião: Injustice: Gods Among Us. Ele foi proibido em alguns lugar do Oriente Médio pelo simples fato de ter a palavra "God" no nome. Aa NetherRealm trocou o nome nas caixas por Injustice: The Mighty Among Us, mas ele ainda assim foi proibido porque o nome original ainda estava na data do jogo, e aparecer no menu principal, etc.

Andreh WakaGhost disse...

Brothers, eu sou crente e minha diversão número um sempre foi videogame, minha Mãe controlava e tals, mas quando tinha a oportunidade de ficar horas á fio de joystick...É vdd que devemos ter limites em tudo, mas tudo mesmo, vdd que com meus filhos eu vou controlar a classificação etária tbm,isso é coisa minha, minha atitude, mas se não fosse por causa dos games eu jamais saberia que profissão seguir...gostei do seu post Tristan, sem desrespeitar ninguém...ninguém precisa aceitar a Palavra de Deus, o próprio Deus não obriga ninguém a nada e ainda te dá o direito de acreditar Nele ou não...Acreditando ou não, Deus deu talento ao homem, capacidade, inteligência e sabedoria para que a ciência pudesse se expandir...belo post...

Solid Snake disse...

"Não julguem, para que vocês não sejam julgados" Mateus 7:1

Magnífico post Tristan, realmente esse assunto é muito complicado
de ser abordado, mas como tudo é questão de bom senso, como podem
afirmar que os jogos são ruins se foi o próprio "Deus" que nos deu
a capacidade de cria-los. Para aqueles que acha que tudo que os
pastores/padres falam é verdade irrefutável não se esqueçam eles
também são homens e que podem se enganar e que a única verdade
irrefutável é Deus.

Unknown disse...

Conhece o RPG Caminho Estreito?
http://www.internautascristaos.com.br/caminho-estreito
É um dos melhores exemplos de como a religião e os games podem se relacionar de forma harmoniosa.

Anônimo disse...

Grande texto, Tristan! Grande texto mesmo!
Eu não sou nada religioso, mas respeito as crenças de todos e sempre peço para que tenham o mesmo respeito pelas minhas decisões e pensamentos. O que infelizmente nem sempre acontece, como vc mesmo mencionou no texto algumas pessoas que querem de qualquer forma dizer que os videogames são coisa de seres da escuridão ou seja lá o que for que querem dizer. Eu eu digo PESSOAS e não RELIGIÕES, pq generalizar é uma baita estupidez, especialmente nesse assunto.
Mas legal vc mencionar Symphony of the Night. Se não me engano existem mais coisas relacionadas à série Castlevania, em algum lugar acho que foram removidos alguns símbolos presentes na versão original do jogo, se não estou enganado a versão americana é meio "capada".
E pensar que o jogo que venho jogando ultimamente é sobre demônios: Disgaea 3. Só que o jogo lida com um humor fantástico, ele não é ofensivo para religião alguma e é engraçado demais, mas as vezes só o fato de vc estar controlando demônios pode fazer muita gente achar que o jogo é "amaldiçoado" ou algo assim, quem joga vai para as "trevas", etc. Mais uma vez, PESSOAS podem pensar isso. Eu não entendo pq, mas enfim, talvez seja o lance de interpretação ao pé da letra dos livros religiosos, assim como vc mencionou no seu texto.
Mas eu acho bacana misturarem assuntos religiosos nos games, muitas religiões tratam de histórias importantes que poderiam muito bem se tornarem games. Como foi mencionado num comentário aí, do RPG Caminho Estreito. Eu já tinha ouvido falar nele, mas ainda não parei pra conhecer.
Acho que algumas pessoas precisam deixar de temer e/ou odiar o desconhecido, games não são coisas ruins. Não vejo muita diferença deles e de filmes/seriados/novela/desenho/entretenimento no geral. Mas enfim... minha opinião.
Mais uma vez, belo texto.
Abraço

FWX disse...

Cara parabens pelo texto, muito bom!!!!

dayniel games disse...

ótimo texto cara, falou tudo!

Marcus disse...

Entre o playstation e deus, eu fico com o meu videogame mesmo, por que pelo menos esse é real.
Se as pessoas forem seguir ao pé da letra o que a bíblia manda, então deveriam sair apedrejando até a morte os gays, mulheres infieis e homens que trabalham nos dias santos entre outras barbáries. Mas convenientemente, muitos esquecem que esse tipo de coisa esta escrito na bíblia e pregam que ele é o "livro do amor".

Unknown disse...

Eu não acredito em Deus, mas todos têm liberdade para ter ou não crenças. Por isso eu digo: parabéns pelo texto, Tristan! Um dos melhores que eu já li neste maravilhoso blog que eu acompanho há 2 anos. E só agora vim me manifestar aqui xD

Postar um comentário